Vitor Calai Advocacia Previdenciária

SETEMBRO AMARELO E O DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Introdução

O mês de setembro é marcado por uma importante campanha de conscientização sobre a prevenção ao suicídio, denominada de “Setembro Amarelo”. Essa iniciativa procura chamar a atenção para a necessidade dos cuidados com a saúde mental. Este também é um importante momento para refletir sobre o quão presentes estão as doenças mentais em nosso dia a dia, e a importância de proporcionarmos apoio, informação e assistência para aqueles que sofrem de transtornos emocionais graves, como depressão, ansiedade e outros distúrbios que podem levar ao suicídio.

O direito à saúde, garantido pela Constituição Federal de 1988, está diretamente ligado a essa campanha, uma vez que o Estado tem o dever de promover políticas públicas que previnam o agravamento de doenças. Nesse contexto, o Sistema Único de Saúde (SUS) exerce um papel fundamental oferecendo atendimento psicológico e psiquiátrico gratuito os cidadãos. Além disso, o direito previdenciário surge como uma proteção social, para garantir que as pessoas afetadas por doenças mentais incapacitantes possam acessar benefícios previdenciários quando suas condições de saúde limitam ou impossibilitam suas atividades laborais.

  1. O Setembro Amarelo e a Saúde Mental

O “Setembro Amarelo” foi criado em 2015, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), com o objetivo de prevenir o suicídio e conscientizar a sociedade sobre a importância da saúde mental.

Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio representa 1,4% de todas as mortes em todo o mundo. Estima-se que a cada adulto que se suicida, pelo menos outros 20 atentam contra a própria vida. É considerado a 15ª causa de mortalidade na população em geral e a segunda principal causa entre jovens de 15 a 29 anos. Apontando que mais pessoas morrem no mundo em decorrência de suicídio do que de HIV ou em guerras e homicídios.

A FIOCRUZ alerta para o aumento da taxa de suicídio entre crianças e jovens que demonstrou um crescimento de 6% por ano, entre 2011 e 2022, já as notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 anos cresceram 29% ano no mesmo período. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte, ficando atrás de acidente de trânsito, tuberculose e violência interpessoal.

No Brasil doenças mentais como depressão, ansiedade e transtorno bipolar, afetam milhões de pessoas, sendo muitas vezes incapacitante. A depressão foi apontada como uma das principais causas do suicídio, seguido do transtorno bipolar e o abuso de substâncias, sendo que a cada 100 pessoas que sofrem de depressão, 15 delas põe fim a própria vida.

Segundo estudos realizados pela Unicamp, 17% dos brasileiros, em algum momento da vida, pensam em por fim a sua própria vida. O suicídio é uma triste realidade que atinge o mundo todo e gera grandes prejuízos à sociedade.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em um novo estudo destaca a importância de levar em conta determinantes sociais de mortes por suicídio. Foi identificado que uso de álcool, drogas e outras substâncias estão relacionadas com o aumento da mortalidade entre os homens, e a desigualdade educacional foi o principal fator entre as mulheres. O desemprego esteve associado como determinante para ambos os sexos.

A América é a única região do mundo onde a mortalidade por suicídio vem aumentando, apesar dos esforços para reduzir. Em 2019, houve mais de 97 mil mortes por suicídios na região.

A Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE), aponta que o SUS registrou, ao longo de 2023, 11.502 internações ocasionadas por lesões intencionais, o que dá uma média diária de 31 casos por dia. A ABRAMEDE destaca que a região sul como um todo demonstra um aumento alarmante, o Rio Grande do Sul fica no topo da lista, apresentando um aumento de 33% de crescimento entre os anos de 2022 para 2023. Os números ressaltam a vulnerabilidade dos jovens adultos e adolescentes, que juntos representam uma parcela significativa das tentativas de suicídio.

No Brasil, uma das principais campanhas de combate ao estigma na temática da saúde mental é o Setembro Amarelo. O suicídio é um problema de saúde pública, são cerca de 14 mil pessoas que retiram sua vida a cada ano no país, isso representa uma média de 38 mortes por suicídio por dia. Precisamos que sejam criadas políticas públicas mais eficazes.

A campanha Setembro Amarelo, e 2024, tem como tema: “Se precisar, peça ajuda!”.  Buscando através de ações educativas, mostrar a importância da vida e desmistificar o tema do suicídio, que ainda é visto como tabu. Difundir informações e aprender como ajudar o próximo é a melhor estratégia para enfrentar esse problema tão grave. É muito importante saber identificar nas pessoas próximas sinais e sintomas de que a pessoa encontra-se em sofrimento e está pensando em se matar, para encorajar essa pessoa a buscar ajuda.

A escuta ativa e sem julgamentos, a disponibilidade para ajudar e a demonstração de empatia são apenas algumas formas iniciais de ajuda, mas é fundamental encaminhar esta pessoa para ser atendida por um profissional, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem uma rede específica para atendimento à saúde mental, através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que oferece atendimento psicológico e psiquiátrico.

  1. Setembro Amarelo e o SUS

A Constituição Federal, em seu art. 196, garante a saúde como um direito de todos e dever do Estado. Com base nesse princípio, o SUS oferece serviços de saúde mental em seus centros de atenção psicossocial, hospitais gerais e especializados. Esse atendimento abrange desde consultas com psicólogos e psiquiatras até tratamentos mais complexos, como internações e fornecimento de medicamentos.

Outra ferramenta importante no enfrentamento ao suicídio é o Centro de Valorização da Vida (CVV), que realiza apoio emocional 24 horas, através do telefone 188, por chat ou por e-mail.

O SUS é, portanto, uma das principais ferramentas de apoio àqueles que sofrem de transtornos mentais. No entanto, em muitos casos, mesmo com o tratamento adequado, o paciente pode não conseguir retomar sua capacidade laboral, momento em que o direito previdenciário se faz necessário para garantir sua subsistência.

  1. Setembro Amarelo e o Direito Previdenciário para Transtornos Mentais

O direito previdenciário é a área que regula os benefícios concedidos aos segurados que, por alguma razão, se encontram incapacitados para o trabalho, seja de forma temporária ou permanente. As doenças mentais podem gerar essa incapacidade e, consequentemente, gerar direito a benefícios como: Benefício por Incapacidade Temporária (auxílio-doença), Benefício por Incapacidade Permanente (aposentadoria por invalidez) ou o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Todos os benefícios visam garantir e assegurar a subsistência do trabalhador em situações de incapacidade para o trabalho. Assim, no contexto das doenças mentais, as pessoas que sofrem de transtornos psicológicos e/ou psiquiátricos graves, diagnosticados por profissional competente, podem requerer benefícios previdenciários, cada um com critérios específicos de concessão:

  • Benefício por Incapacidade Temporária (antigo Auxílio-doença): Este benefício está previsto no art. 59 da Lei nº 8.213/91,  e é devido à todo segurado do INSS que se encontrar incapacitado temporariamente para o trabalho em virtude de doença ou acidente. No caso dos transtornos mentais, se a doença impedir o indivíduo de desempenhar suas funções laborais, ele pode tem direito a requerer este benefício
    • Critérios para concessão: É necessário que o trabalhador comprove filiação ao regime de Previdência Social, possua qualidade de segurado ou esteja no período de graça e tenha cumprido a carência mínima de 12 meses, salvo nos casos das doenças previstas na legislação como isentas. Além disso, é necessário que o segurado passe por perícia médica e apresente um laudo médico que ateste a incapacidade que o impeça de trabalhar temporariamente.
  • Benefício por Incapacidade Permanente (antiga Aposentadoria por Invalidez): Nos casos em que a incapacidade para o trabalho é permanente e não há possibilidade de reabilitação, o segurado pode a aposentadoria por invalidez, prevista no art. 42 da Lei nº 8.213/91. Esse benefício é devido quando o trabalhador, acometido por uma doença mental grave e irreversível, estiver impossibilitado de exercer qualquer atividade laboral que garanta sua subsistência.
    • Critérios para concessão: Além dos requisitos mencionados para o auxílio-doença (qualidade de segurado, carência e laudo médico), deve ficar comprovada a impossibilidade de reabilitação do trabalhador para qualquer outra atividade que lhe garanta subsistência.
  • Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS): Conforme o art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei nº 8.742/93), o BPC é destinado a pessoas com deficiência ou idosos que não têm condições de prover sua subsistência. O conceito de deficiência pode incluir transtornos mentais severos e incapacitantes, que impossibilitem a pessoa de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
    • Critérios para concessão: O requerente deve comprovar a deficiência que o incapacitou para a vida independente e para o trabalho, e renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo.
  1. Setembro Amarelo e a Jurisprudência Relacionada a Concessão de Benefícios por Doenças Mentais

A jurisprudência brasileira tem reconhecido a gravidade das doenças mentais e a dificuldade de recuperação plena para o retorno ao mercado de trabalho. Um exemplo disso é o julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 1463795 o qual  concluiu pela aposentadoria por invalidez do segurado, portador de Transtorno afetivo bipolar não especificado.

Em outro julgamento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) reconheceu o direito ao BPC/LOAS para uma pessoa, residente de Erexim, que possui doença mental. O colegiado entendeu que o fato de a mãe e o padrasto morarem com a segurada e receberem benefícios do INSS não impede que ela tenha direito a receber um salário-mínimo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp. 1.230.957/RS reconheceu o direito a aposentadoria por invalidez para uma segurada acometida de transtorno depressivo grave, após o INSS ter negado o benefício. A Corte entendeu que o transtorno mental apresentado pela segurada era incapacitante, mesmo que a perícia do INSS tenha avaliado de forma contrária.

  1. Setembro Amarelo, Ministério da Saúde e INSS

No final do ano de 2023, o Ministério da Saúde atualizou a Portaria GM/MS nº 1.999, de 27 de novembro de 2023,  que traz a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), incluindo transtornos mentais, como Burnout, ansiedade, depressão e tentativa de suicídio, como doenças relacionadas ao trabalho. A inclusão destas doenças na lista chama atenção para os cuidados com a saúde mental no ambiente profissional.

O segurado afastado do por doença relacionada ao trabalho, por mais de 15 dias, receberá do INSS o benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) acidentário, que garante a isenção de carência e a estabilidade no emprego por 12 meses após o retorno ao serviço, não podendo ser demitido sem justa causa nesse período.

A Previdência Social assegura ao trabalhador portador de transtorno mental e comportamental a estabilidade no emprego em relação a doenças que ainda causam discriminação.

Conclusão

A campanha Setembro Amarelo tem extrema importância para a conscientizar a sociedade sobre saúde mental e prevenção ao suicídio. No âmbito do direito previdenciário, essa conscientização se reflete na necessidade de garantir proteção social para as pessoas que, em decorrência de transtornos mentais graves, tornam-se incapazes de exercer suas atividades laborais. O auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez e o benefício de prestação continuada são instrumentos que asseguram a dignidade desses cidadãos, mas sua concessão depende de critérios rigorosos previstos na legislação e de laudos médicos que comprovem a incapacidade.

É fundamental que tanto o SUS quanto o INSS atuem em conjunto para proporcionar o tratamento adequado e a proteção social necessária aos segurados, garantindo seus direitos constitucionais à saúde e à previdência. Entretanto, é comum que segurados do INSS enfrentem negativas ao pleitearem benefícios previdenciários relacionados a problemas de saúde mental.

A concessão dos benefícios previdenciários pode se4r dificultada por uma série de fatores, incluindo a interpretação restritiva das doenças mentais pelos peritos médicos do INSS e a falta de compreensão da complexidade dessas condições, que muitas vezes não apresentam evidências físicas evidentes. Assim, o segurado, que já enfrenta dificuldades emocionais e psicológicas, é colocado em uma posição ainda mais vulnerável, quando ocorre a negativa, sendo obrigado a buscar vias alternativas para garantir seus direitos.

Contestar a negativa do INSS por meio de recurso na via administrativa é uma opção, no entanto, essa via nem sempre é eficiente. Ingressar com uma ação judicial buscando revisão da decisão do INSS no Poder Judiciário, através de um advogado especializado em Direito Previdenciário é o meio mais eficiente. A ação judicial, acompanhada de laudos médicos robustos e uma análise independente da incapacidade, é uma ferramenta essencial para reverter as negativas do INSS e assegurar que o cidadão receba o benefício a que tem direito.

Por: Henriete Santos Arnhold

Bacharel em Direito

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