Aposentadoria Especial no Brasil
No Brasil, a aposentadoria especial é um importante benefício previdenciário, destinado aos trabalhadores que exercem atividades em condições consideradas insalubres, perigosas ou penosas, que colocam a saúde e integridade física em risco. Essa modalidade de aposentadoria é uma medida de proteção social que visa compensar os efeitos adversos à saúde sofrido por esses trabalhadores durante sua vida laboral, permitindo que se aposentem mais cedo em comparação aos demais.
Infelizmente, esta modalidade de aposentadoria foi uma das mais prejudicadas pela Reforma da Previdência de 2019. Considerado um grande retrocesso legislativo essas mudanças vêm provocando uma grande demanda no judiciário.
Neste artigo destacaremos as regras vigentes, as mudanças ocasionadas pela EC nº 103/2019, as principais discussões jurídicas em torno do tema e a importância deste benefício para a proteção dos trabalhadores que atuam expostos à riscos. Também traremos dos Projetos de Lei que estão tramitando e visam modificar os efeitos negativos da reforma da previdenciária.
1. O que é Aposentadoria Especial
A aposentadoria especial é um benefício previdenciário destinado aos segurados que exercem suas atividades laborais em condições prejudiciais à saúde, por um determinado período estabelecido em lei, permitindo que esses trabalhadores se aposentem com um tempo de contribuição reduzido em comparação aos demais trabalhadores.
A antecipação da aposentadoria está relacionada a ideia de afastar o trabalhador do contato com os agentes que prejudicam sua saúde ou expõem sua vida a riscos. Esta aposentadoria está prevista no artigo 201, § 1º, da Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela Lei nº 8.213/1991 (art. 57 e seguintes).
Considerada uma medida compensatória importante para as categorias profissionais sujeitas a condições de risco. Esta modalidade de aposentadoria desempenha um papel crucial na proteção e valorização dos trabalhadores expostos a condições adversas em seus ambientes de trabalho.
2. Quem tem Direito à Aposentadoria Especial
Tem direito à aposentadoria especial todo trabalhador que, devido à natureza de suas atividades expuseram sua saúde ou integridade física a riscos constantes, expostos a agentes nocivos insalubres ou periculosos. Importante ressaltar que nem todo trabalhador que recebe adicional de insalubridade ou de periculosidade terá direito a aposentadoria especial. A exposição precisa ser examinada caso a caso de acordo com os parâmetros fixados pela legislação.
Atualmente as empresas têm investido cada vez mais na aquisição de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), desta forma, muitas vezes é eliminando o risco da exposição da saúde do trabalhador. A utilização do EPI é fundamental para que o trabalhador não tenha mais a exposição que tinha no passado, mas a exposição só será eliminada por completo quando a utilização do EPI for capaz de eliminar em 100% da exposição aos riscos.
Os critérios que qualificam o trabalhador para receber a aposentadoria especial em 2024 variam conforme a legislação vigente quando o trabalhador completou o tempo necessário para solicitar sua aposentadoria. Segundo o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), têm direito à aposentadoria especial os segurados que comprovem exercício de atividades expostas a agentes nocivos, seja de natureza química, física ou biológica, durante um período de 15 anos (alto risco), 20 anos (médio risco) ou 25 anos (baixo risco).
Observem, quanto maior o risco, menor será o tempo de contribuição necessária para a aposentadoria. Importante ressaltar que a exposição deve ser contínua e não ocasional ou intermitente, e os níveis de exposição devem estar acima dos limites estabelecidos pela legislação.
A carência mínima exigida para a aposentadoria especial é fixa em 180 meses de contribuição ao INSS.
3. Principais Categoria de Trabalhadores
Como visto, esta modalidade de aposentadoria é concedida a trabalhadores que exercem atividades que expõem sua saúde ou integridade física a riscos constantes. Algumas das principais categorias profissionais que podemos destacar são:
3.1. Trabalhadores da Área da Saúde
Profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, dentistas e fisioterapeutas são exemplos de profissionais que frequentemente têm direito à aposentadoria especial devido a exposição habitual e permanente a agentes biológicos. Essa exposição ocorre em razão do contato direto com pacientes, materiais contaminados e resíduos hospitalares.
A jurisprudência tem reconhecido o caráter insalubre dessas atividades, destacando que o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), embora seja obrigatório, nem sempre elimina por completo o risco à saúde.
3.2. Professores
Embora esta categoria de trabalhadores não se enquadre exatamente nos requisitos da aposentadoria especial, no que diz respeito a exposição da saúde a agentes nocivos, os professores da educação básica (ensino infantil, fundamental e médio) possuem um regime de aposentadoria diferenciado. As regras para a aposentadoria especial dos professores estão expressas no art. 40, § 5º, da Constituição Federal de 1988. Para ter direito é necessário o trabalho tenha sido realizado efetivamente no âmbito do magistério. Aqui, o legislador procurou reconhecer o desgaste físico, mental e emocional, inerente à profissão, exercida no âmbito da educação básica.
3.3. Trabalhadores Expostos a Agentes Químicos
Os trabalhadores que lidam com produtos químicos, como operários em indústrias químicas, metalúrgicas e petroquímicas, também possuem direito à aposentadoria especial. Essa proteção decorre da exposição a substâncias tóxicas, como solventes, combustíveis, pesticidas e metais pesados que podem causar doenças graves e irreversível.
A caracterização da atividade especial nesses casos exige Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT) e Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), conforme disposto no art. 58, da Lei nº 8.213/1991 e na Instrução Normativa nº 128/2022 do INSS.
3.4. Outras Categorias de Beneficiados
Além dos grupos destacados, diversas outras categorias podem ter direito à aposentadoria especial, como:
- Trabalhadores da mineração: expostos a poeira minerais e radiações.
- Eletricistas: submetidos a tensão elétrica superior a 250 volts.
- Vigilantes armados: devido à periculosidade inerente à atividade
4. Aposentadoria Especial e as Mudanças Legislativas
4.1. EC nº 103/2019
A Emenda Constitucional nº 103/2019, promulgada em 13 de novembro de 2019, trouxe mudanças significativas para o sistema previdenciário brasileiro, afetando diretamente os requisitos para a concessão da aposentadoria especial. As principais alterações incluem:
4.1.1.Introdução da Idade Mínima
Uma das mudanças mais impactantes da Reforma da Previdência foi a introdução da idade mínima para a aposentadoria especial, que até então não era exigida, com o novo requisito ficou assim:
Tempo de Exposição | 15 anos | 20 anos | 25 anos |
Idade Mínima | 55 anos | 58 anos | 60 anos |
Essa exigência será aplicada aos segurados que iniciaram a contribuição após a promulgação da Emenda Constitucional.
4.1.2. Regras de Transição
Para os segurados que estavam filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) na data da reforma e que não tenham cumprido com todos os requisitos necessários até então, foram estabelecidas regras de transição. Essas regras exigem uma pontuação mínima, que é a soma da idade mais o tempo de contribuição especial:
Tempo de Exposição | 15 anos | 20 anos | 25 anos |
Pontuação Mínima | 66 anos | 76 anos | 86 anos |
4.1.3. Direito Adquirido
Os trabalhadores que já haviam cumprido os requisitos para aposentadoria especial antes da reforma até (13/11/2019) mantém o direito adquirido e poderão se aposentar com base nas regras anteriores.
4.1.4. Alterações no Cálculo do Benefício
A Reforma da Previdência também alterou o cálculo da aposentadoria especial. Antes da reforma, o cálculo utilizava 80% das maiores contribuições do trabalhador, permitindo uma média mais favorável. Após a reforma, o cálculo passou a ser feito com base na média de 100% das contribuições desde julho de 1984, o que pode resultar em um valor menor.
Além disso, o valor da aposentadoria é calculado com base na média de 60% dos salários de contribuição, acrescido de 2% por ano que exceda o tempo mínimo de contribuições exigido para a aposentadoria (15, 20 ou 25 anos, conforme a categoria de risco).
4.1.5. Conversão de Tempo Especial em Comum
Outra mudança importante trazida pela Reforma da Previdência foi o fim da conversão do tempo especial em comum, para períodos laborados a partir de 13 de novembro de 2019. Antes da Reforma o trabalhador que tinha trabalhado em condições especiais prejudiciais à saúde ou a integridade física e não tivesse tempo suficiente para se aposentar por tempo especial, poderia converter este período em tempo comum, aumentando seu tempo de contribuição e antecipando a aposentadoria.
A conversão poderia ajudar a antecipar ou aumentar o valor da aposentadoria. Para cada 10 anos trabalhados em condições insalubres, o tempo de aposentadoria pode ser reduzido em 4 anos para homens e 2 anos para as mulheres. Com o fim dessa possibilidade, há uma clara restrição ao acesso de muitos trabalhadores à aposentadoria antecipada.
4.2. Mudanças na Legislação em Tramitação
Está tramitando na Câmara do Deputados o PLP nº 42/2023 que propõe a redução da idade mínima prevista na Reforma da Previdência, EC nº 103/2019 para a concessão da aposentadoria especial, para 40, 45 e 48 anos de idade, além de aumentar o valor do benefício inicial para 100% da média das contribuições do trabalhador. Neste projeto foram apensados outros três: o PLP nº 245/2019, o PLP nº 174/2023 e o PLP nº 231/2023, que tem objetivos comuns. O Projeto aguarda parecer na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF).
4.3. Jurisprudência
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido palco de discussões relevantes sobre a aposentadoria especial, especialmente quanto à exigência de idade mínima e a conversão do tempo especial em comum e a constitucionalidade das exigências impostas pela Reforma da Previdência.
O STF, no julgamento do ARE nº 664.335, fixou a tese através do Tema 555 de que a habitualidade e a permanência na exposição a agente que prejudicam a saúdes são requisitos imprescindíveis para o reconhecimento do tempo especial.
No Tema 1209, o STF, reconheceu a atividade de vigilante como especial, com fundamento na exposição ao perigo, seja em período anterior ou posterior à promulgação da EC 103/2019.
Também está em tramitação no STF o Tema 1329 que discute a possibilidade de recolhimento de contribuição previdenciária após a edição da EC nº 103/2019 para enquadramento na regra de transição prevista no art. 17, que exige tempo mínimo de contribuição até a data de entrada em vigor da Emenda.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversos precedentes, tem flexibilizado a exigência documental, admitindo outras provas além do PPP e LTCAT em casos de impossibilidade de apresentação desses documentos, garantido o acesso ao benefício.
4.4. Alterações na Instrução Normativa do INSS
Em 2024, a Instrução Normativa INSS nº 170/2024 foi publicada, promovendo alterações na Instrução Normativa nº 128/2022. Essas mudanças têm impactado direto na análise da aposentadoria especial:
- Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP): A nova norma aceita PPPs emitidos a partir de 18 de julho de 2002, ampliando a validade dos documentos que comprovam a atividade especial.
- Análise da Atividade Especial: A análise da exposição a agentes nocivos pode agora ser realizada tanto em meio de análise administrativa quanto pela perícia Médica Federal, permitindo maior flexibilidade no reconhecimento de trabalho em condições especiais.
5. Documentação
A reforma reafirmou a importância da documentação adequada para comprovação a exposição a agentes nocivos, como o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e o Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), ambos emitidos pelo empregador.
- Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT), este é um documento técnico que identifica os riscos ambientais no trabalho, considerado a estrutura da empresa. O LTCAT deve ser assinado por um profissional habilitado, como um engenheiro de segurança do trabalho ou um médico do trabalho; e o
- Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) que apresenta o histórico profissional do trabalhador, incluindo a exposição a riscos ambientais ao longo do tempo, este documento deve ser assinado por um representante legal da empresa ou seu preposto. O PPP é preenchido com base no LTCAT, e não é possível emitir o PPP sem o LTCAT.
CONCLUSÃO
A aposentadoria especial no Brasil continua sendo um benefício indispensável para proteger os trabalhadores expostos a condições prejudiciais à saúde e à integridade física. As mudanças trazidas pela Reforma da Previdência de 2019 tornaram os requisitos para aposentadoria especial mais rigorosos e complexos, especialmente com a introdução da idade mínima e das regras de pontuação previstas para a transição.
Embora os direitos adquiridos tenham sido preservados, para os trabalhadores que cumpriram os requisitos necessários para a aposentadoria especial antes da reforma, muito ainda enfrentam um cenário cada vez mais desafiador para conquistar a tão sonhada aposentadoria especial.
Os debates legislativos e judiciais em andamento demonstram a relevância do tema e a necessidade de ajustes que minimizem os impactos negativos da reforma, como a tramitação de projetos de lei que buscam atenuar essas restrições. Além disso, os tribunais têm atuado como um contraponto às limitações legislativas, garantindo a flexibilização em situações específicas e preservando direitos fundamentais dos segurados.
Assim, para garantir a justiça social e a proteção efetiva dos trabalhadores, é necessário o acompanhamento contínuo das discussões legislativas e judiciais, bem como a aplicação adequada das normas vigentes. O equilíbrio entre a sustentabilidade do sistema previdenciário e os direitos dos trabalhadores expostos às condições adversas deve permanecer como objetivo central das políticas públicas e do sistema de proteção social brasileiro.
Ainda é necessário que o trabalhador busque um profissional especializado em Direito Previdenciário para efetivar a garantia de seus direitos, pois é muito comum que o INSS negue o pedido de aposentadoria especial com base nas novas regras. Se você é um trabalhador que teve suas atividades exercida em ambientes prejudiciais a saúde ou que colocou sua vida em risco, busque seus direitos, temos uma equipe especializada esperando por você.
Por:
Henriete Santos Arnhold
Bacharel em Direito