Acidente de Trabalho: Direitos do Trabalhador
1. Introdução
O acidente de trabalho é um evento que pode impactar profundamente a vida do trabalhador, gerando não apenas sequelas físicas e emocionais, mas também comprometendo sua capacidade laborativa e sua fonte de sustento. A Constituição Federal de 1988 e a legislação infraconstitucional garantem diversos direitos ao trabalhador em caso de acidente de trabalho, visando assegurar sua dignidade e proteção social.
O auxílio-acidente é um benefício de caráter indenizatório, concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), destinado a amparar o segurado que, em razão de um acidente, sofre redução permanente da capacidade laborativa.
Os acidentes de trabalho são um tema crítico no Brasil, envolvendo diversas questões de direitos dos trabalhadores, legislação previdenciária, custos sociais e econômicos, além de jurisprudência e propostas legislativas. Este artigo aborda esses aspectos de forma integrada.
2. Conceito de Acidente de Trabalho
O artigo 19, da Lei nº 8.213/1991 define acidente de trabalho como aquele que ocorre durante o exercício de atividades laborais, resultando em lesões que podem causar morte ou incapacidade temporária ou permanente para o trabalho.
Já o auxílio-acidente está disciplinado no artigo 86, da Lei nº 8.213/1991, e é um benefício previdenciário de natureza indenizatória, pago ao segurado que, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, apresente sequelas que impliquem em redução permanente de sua capacidade para o trabalho habitual.
O benefício não exige que a incapacidade seja total para o labor, mas, sim, a demonstração de uma redução funcional da capacidade laboral, e deve ser avaliada por perícia médica do INSS.
O artigo 21, da Lei n 8.213/1991, equipara ao acidente de trabalho as doenças profissionais ou ocupacionais diretamente ligada à atividade exercida; o acidente de trajeto, ocorrido no percurso entre a residência e o local de trabalho; e a agravação de condição preexistente em função do exercício laboral.
A legislação estabelece que é dever do empregador adotar medidas de proteção e segurança para os trabalhadores. O acidente deve ser comunicado à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao ocorrido por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), com penalidades para a não comunicação.
3. Direitos do Trabalhador em Caso de Acidente de Trabalho
Os direitos do trabalhador em caso de acidente de trabalho são garantidos pela legislação brasileira, especialmente pela Lei nº 8.213/1991 e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Abaixo estão listados os principais direitos assegurados aos trabalhadores que sofrem acidentes durante o exercício de suas atividades.
3.1. Estabilidade no Emprego
O trabalhador que sofre um acidente de trabalho tem direito à estabilidade provisória no emprego por um período de 12 meses após a alta médica, conforme descrito no artigo 118, da Lei nº 8.213/1991. Durante este tempo, ele não pode ser demitido sem justa causa.
3.2. Auxílio Incapacidade Temporária (Antigo Auxílio-Doença Acidentário)
Se o trabalhador ficar incapacitado por um período maior que 15 dias devido ao acidente, ele tem direito ao auxílio por incapacidade temporária acidentário (auxílio-doença acidentário), que é um benefício pago pelo INSS. Este auxílio corresponde a 91% do salário de benefício e é concedido após o período inicial de 15 dias, que é pago pelo empregador. Diferente do benefício por incapacidade temporária o auxílio por incapacidade temporária não exige carência
3.3. Recolhimento do FGTS
Durante o período de afastamento, o empregador deve continuar a fazer o recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) do trabalhador acidentado.
3.4. Benefício por Incapacidade Permanente (Aposentadoria por Invalidez)
Se o acidente resultar em incapacidade permanente para o trabalho, o trabalhador pode solicitar a aposentadoria por incapacidade permanente, que é um benefício previdenciário destinado aos trabalhadores que não podem mais exercer suas atividades laborais.
3.5. Pensão por Morte
Em caso de falecimento do trabalhador em decorrência do acidente, seus dependentes têm direito à pensão por morte, assegurando a continuidade do suporte financeiro.
3.6. Reabilitação Profissional
O INSS pode oferecer programas de reabilitação profissional para ajudar o trabalhador a retornar ao mercado de trabalho, caso a lesão reduza sua capacidade laboral.
3.7. Indenização por Danos Morais e Materiais
O trabalhador também pode buscar indenização por danos morais e materiais em casos onde houver negligência do empregador na prevenção do acidente. Isso pode incluir compensações financeiras por prejuízos estéticos ou emocionais decorrente da lesão, para isso é necessário buscar um advogado e ingressar com uma ação judicial.
3.8. Auxílio-Acidente
Benefício de natureza indenizatória devido ao trabalhador que sofre redução permanente da capacidade laborativa. Esse benefício é destinado ao segurado empregado, trabalhador avulso e segurado especial.
4. Quem Tem Direito ao Auxílio-Acidente?
Para ter direito ao auxílio-acidente, o trabalhador precisa estar vinculado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e ter qualidade de segurado ou estar no período de graça, à época do acidente. Além disso, é necessário que tenha sofrido um acidente do qual resultou uma sequela permanente, reduzindo sua capacidade de trabalho.
Tem direito ao auxílio-acidente: empregados urbano e rural, registrados formalmente em uma empresa; empregados domésticos, desde que tenham carteira assinada; trabalhadores avulsos que prestam serviços a várias empresas, intermediados por sindicatos ou órgãos gestores de mão de obra; segurados especiais como agricultores, pescadores artesanais, garimpeiros, lavradores, entre outros.
Contudo, alguns segurados, como contribuintes individuais (autônomos) e os segurados facultativos, não tem direito ao auxílio-acidente, pois assim está definido na lei. Por mais que isso configure uma discriminação entre os segurados da previdência social.
O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) ou na data de entrada do requerimento, quando não precedido de benefício.
5. Requisitos
Para que o trabalhador tenha direito ao auxílio-acidente é necessário preencher quatro requisitos:
- Qualidade de segurado;
- Ter sofrido um acidente de qualquer natureza;
- A redução parcial e definitiva da capacidade para o trabalho habitual, e;
- O nexo causal entre o acidente e a redução da capacidade.
O trabalhador deve estar devidamente filiado ao INSS e em dia com suas contribuições no momento do acidente. A concessão do auxílio-acidente independe de carência mínima conforme o artigo 26, inciso I, da Lei nº 8.213/1991.
O benefício pode ser concedido em razão de acidentes típicos (ligados à atividade laboral), acidentes de trajeto ou acidentes não relacionados ao trabalho.
A legislação vigente não estabelece grau, índice ou percentual mínimo da incapacidade para auxílio-acidente. Desta forma, basta que seja comprovada, ainda que em grau mínimo, limitação de sua capacidade laborativa.
6. Cálculo do Benefício
As diferenças no cálculo do auxílio-acidente no Brasil antes e depois de 2019 são significativas, principalmente devido à introdução da MP 905/2019 e sua subsequente revogação pela MP 955/2020. Abaixo, estão detalhadas as mudanças que ocorreram conforme a data do acidente.
6.1. Antes de 11/11/2019
Conforme o artigo 86, § 1º da Lei nº 8.213/1991, a renda do auxílio-acidente corresponde a 50% do salário de benefício, calculado com base nas 80% maiores contribuições do segurado, apuradas a contar de julho de 1994.
6.2. Entre 12/11/2019 e 19/04/2020
Com a edição da MP 905/2019, em seu período de vigência, o cálculo do auxílio-acidente foi alterado para 50% do valor da aposentadoria por invalidez que o segurado teria direito na data do acidente. Essa aposentadoria era calculada com base em uma nova fórmula que considerava o tempo de contribuição e a média de todas as contribuições desde julho de 1994, resultando em um valor geralmente menor do que valor obtido anteriormente.
Quem recebeu auxílio-acidente na vigência da MP 905/2019 pode ter direito a cobrar a diferença no valor do benefício.
6.3. Após 19/04/2020
Com a revogação da MP 905/2019, o cálculo do auxílio-acidente voltou a ser 50% do salário de benefício, voltando ao que era antes de 2019. No entanto, em razão da EC nº 103/2019 (Reforma da Previdência), a forma de cálculo do salário de benefício passou a ser calculado pela média de todas as contribuições vertidas pelo segurado desde julho de 1994, sem excluir os 20% menores salários.
Para o trabalhador rural o valor do benefício do auxílio-acidente corresponderá ao valor equivalente a 50% do salário mínimo. Caso o segurado especial tenha contribuído como facultativo, o valor será equivalente a 50% da média das contribuições vertidas, igual aos demais beneficiários.
O auxílio-acidente é uma indenização e não substitui a renda proveniente do trabalho o que permite ser acumulado com salários e o valor pode ser inferior ao salário mínimo, já que se trata de uma indenização e não um benefício assistencial.
Importante destacar que o benefício é devido até a véspera da concessão de aposentadoria ou até a morte do segurado, não sendo acumulável com aposentadoria, isso era possível somente até a MP 1.596-14, de 10 de novembro de 1997.
7. Legislação
A legislação brasileira estabelece um arcabouço jurídico robusto para proteger os direitos dos trabalhadores acidentados. A Lei nº 8.213/1991 é fundamental nesse contexto, definindo condições para a concessão de benefícios previdenciários. Assim como a Lei nº 13.846/2019, que altera dispositivos da Lei nº 8.213/1991, especialmente no tocante à reavaliação médica e outros aspectos administrativos.
Também, destacam-se normas como o Decreto nº 10.410/2020, que regulamenta a concessão do benefício no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
E não podemos deixar de mencionar a EC nº 103/2019 que alterou o sistema de previdência social, conhecida com Reforma da Previdência, o Decreto-Lei nº 5.452/1943, conhecida como Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e as Súmulas Vinculantes do STF e TST.
8. Jurisprudência
A jurisprudência tem evoluído para tratar das responsabilidades em casos de acidente de trabalho. Um exemplo é a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que afirma que compete a Justiça Estadual processar as ações indenizatórias propostas por familiares de trabalhadores falecidos em acidentes. Recentemente a Corte decidiu que o auxílio-acidente possui caráter indenizatório e é devido mesmo que o segurado retorne ao trabalho e decisões recentes têm enfatizado a necessidade de comprovação do nexo causal entre a conduta do empregador e o acidente para que haja reparação civil.
Os Tribunais Regionais Federais (TRF) têm reconhecido o direito ao benefício mesmo em casos de atividades laborativas adaptadas às sequelas do trabalhador.
E o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem reiterado o entendimento de que, havendo culpa do empregador, este é responsável pela indenização integral dos danos morais e materiais em razão de acidente ocasionado por negligência na adoção de medidas de segurança.
9. Projetos de Lei
Atualmente, há diversas propostas legislativas visando melhorar a segurança no trabalho e os direitos dos trabalhadores acidentados. Essas propostas incluem medidas para aumentar a fiscalização das normas de segurança e promover programas de prevenção. A participação ativa dos trabalhadores nas comissões internas de prevenção de acidentes é uma das recomendações para reduzir o número de ocorrências.
Além de propostas de ampliação do acesso ao benefício para trabalhadores informais, reconhecendo a vulnerabilidade desse grupo e sua exposição a acidentes. Outra proposta relevante é a que sugere a majoração do percentual do salário de benefício, para o cálculo do auxílio-acidente, visando maior proteção ao segurado.
10. Números de Acidente de Trabalho no Brasil
O Brasil registrou 612,9 mil notificações de acidentes de trabalho (CAT) em 2022, conforme dados do INSS/CATWEB e do SmartLab. Esse número representa uma taxa de 42 acidentes para 10 mil trabalhadores. O estado do Rio Grande do Sul registrou 50,4 mil acidentes de trabalho, sendo o terceiro estado no Brasil com maior número de acidentes, ficando atrás, apenas, de São Paulo e Minas Gerais.
O observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, registrou no ano de 2022 o setor econômico com mais notificações de acidentes de trabalho foi o setor da saúde, com destaque para as atividades de atendimento hospitalar com 55,7 mil registros (11,6%); a ocupação mais citada foi a de técnico de enfermagem com 36,5 mil notificações (7,35%); a lesão mais presente nas notificações foram as fraturas com 90,1 mil registros (18,1); e a parte do corpo mais afetada foi o dedo com 113,1 mil notificações (22,7%); o principal agente causador foi o impacto contra pessoa/objeto com 96,7 mil notificações (19,4% ); a faixa etária com mais notificações foi a de 18-24 anos para o sexo masculino com 70,1 mil registros.
O número de acidentes de trabalho com morte, notificados, no ano de 2022 foi de 2.538, subindo no ano de 2023 para 2.888 acidentes fatais. Foi realizada uma estimativa de subnotificações, gerada através do registro no momento da concessão do benefício previdenciário, sem a correspondente emissão de CAT anterior, demonstrando um total de 116 mil acidentes de trabalho o devido registro, o que representa um índice de 18,9%.
10.1. Total de Benefícios Previdenciários Concedidos
Os acidentes de trabalho acabam gerando um número elevado de benefícios previdenciários. Anualmente, segundo estimativas globais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a economia perde cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em razão de doenças e acidentes de trabalho, o que além de perdas humana, destaca a perda de produtividade provocada por ambientes de trabalho inseguros ou insalubres.
Os gastos com previdência são elevados e aqui não está quantificado os custos de natureza administrativa (processamento de atendimentos e casos no INSS), judiciais (muitos casos são judicializados), despesas para o sistema de saúde (com atendimentos e tratamentos de trabalhadores, sem contar na perda pessoal de muitas famílias a qual não como quantificar monetariamente.
No Anuário Estatístico do Trabalho (AEAT) publicado pela Previdência Social apresentou um gasto no valor acumulado de R$ 112,7 bi em despesas decorrentes de acidentes de trabalho, apenas no ano de 2021 o valor ficou em R$ 14,5 bi, sendo distribuídos da seguinte forma: R$ 1,8 bi em auxílio-doença acidentário, R$ 5,6 bi em aposentadoria por invalidez por acidente de trabalho, R$ 2,4 bi em pensão por morte e R$ 4,7 bi em auxílio-acidente por acidente de trabalho.
11. Conclusão
Observa-se que o impacto financeiro total dos acidentes de trabalho no Brasil é muito significativo, afetando não apenas as finanças da Previdência Social, mas também a produtividade das empresas e o bem-estar dos trabalhadores e suas famílias. Ficando evidente a necessidade urgente de adoção de políticas eficazes de prevenção para mitigar esses custos e proteger a saúde e segurança no ambiente laboral.
Os direitos dos trabalhadores acidentados são amplamente protegidos pela legislação brasileira, garantindo não apenas a assistência financeira durante o período de recuperação, mas também a segurança no emprego e a possibilidade de reabilitação profissional. Porém, é de extrema importância que os trabalhadores conheçam esses direitos para poderem reivindicá-los adequadamente em caso de acidente no ambiente laboral.
O auxílio-acidente é uma importante ferramenta de proteção ao trabalhador, garantindo um amparo financeiro àqueles que sofrem redução de sua capacidade laboral em virtude de acidentes. Apesar das mudanças legislativas que têm impactado seu cálculo e concessão, o benefício continua sendo um pilar do sistema de seguridade social brasileiro, promovendo o princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção social.
Os acidentes de trabalho representam um desafio significativo para o Brasil, tanto em termos de direitos trabalhistas quanto de custos previdenciários. A legislação oferece uma estrutura robusta para proteger os trabalhadores, mas sua eficácia depende da implementação rigorosa e da conscientização sobre os direitos e deveres tanto dos empregadores quanto dos empregados.
A crescente incidência de acidentes destaca a urgência de melhorias nas práticas de segurança no trabalho e na educação sobre direitos trabalhistas. As subnotificações demonstram que ainda há um grande descaso por parte dos empregadores em garantir que seus funcionários sejam adequadamente registrados. Ainda há muitos trabalhadores sem registro no país, o que não significa que estes trabalhadores não tenham direitos, apenas se faz necessário em muitas vezes uma ação judicial para tal reconhecimento.
Para trabalhadores que sofrem acidente e não tem o registro da CAT ou tem indeferido seu pedido de benefício, devem procurar um advogado especializado em Direito Previdenciário, este é o profissional qualificado para buscar seus direitos judicialmente.
Henriete Santos Arnhold
Bacharel em Direito